terça-feira, 7 de abril de 2009

RECONTOS

Fui procurado por um editor que tinha um projeto para que minha obra seguisse em evidencia. Objetei de que nunca sai dos holofotes, continuo sendo editado e lido por crianças e jovens dos cinco continentes. Patinho feio, meu conto mais conhecido, entrou para a cultura popular nos cinco continentes. É verdade, disse o engenhoso editor, mas a sua família, os Christian Andersen, nunca mais viram a cor do dinheiro, depois de 70 anos da morte de um autor, toda sua obra cai em domínio público. E você sabe, esse é um ano de crise na Europa. Nos dias de hoje, nem a posteridade está assegurada. Me dispus a escrever novos contos.
- Nada disso, precisamos só de um toque mais contemporâneo na sua produção literária, algo que corteje o público e aos educadores ao mesmo tempo, precisamos incluir um pouco do discurso social atual nas suas histórias. Com o conteúdo sustentável e umas pitadas a mais sobre tolerância, nós podemos virar indicação curricular em muitas escolas. Tomei a liberdade de relacionar algumas idéias:

Patinho Feio ou Patinho sem os padrões estéticos apreciados pela maioria. Nessa nova versão o patinho será um patinho mesmo até o final. Na versão clássica, o titulo deveria ser o Cisninho Feio, já que o protagonista vivia sem saber em falsidade ideológica. Quando no final do conto, descobríamos que aquele serzinho repugnantizinho era na verdade um cisne majestoso, a mensagem depreendida era a de que a feiúra é uma porcaria mesmo. Estávamos ensinando as crianças e jovens que tudo bem passar um período sendo alvo de piadas, tapas na cabeça e apelidos maldosos, desde que um dia você vire alguém belo e posso humilhar seus antigos desafetos. Na versão 2009, modelo 2010 (para acompanhar a indústria automobilística) o patinho vai, depois de enfrentar muita rejeição, encontrar sua pata metade que será igualmente não favorecida pela natureza. Outra alternativa é ele ser beneficiário de um lei de cotas de patas bonitas para patos que nasceram do avesso. Assim, no final ele nadaria ao lado de uma pata modelo da Victoria Secret.
Essas pequenas mudança mostram bem como não há problema algum em pertencer a um grupo desprovido de sorte genética. A sustentabilidade entrará como pano de fundo. Haverá um capitulo a mais só sobre como cuidar da água do lago para que no futuro não nasçam patinhos com aparência que dificultem a sociabilidade.
Para o lançamento dessa nova versão, seria decretado o dia do orgulho feio

A Pequena Sereia ou O Sereio Consciente de que ceder para uma mulher não afeta sua masculinidade

Lembram do conto original?
Nele, uma pequena sereia, apaixonada por um homem mortal, recorre uma bruxa para que possa assumir uma forma humana e assim se aproximar de seu amado. Para que o encantamento se tornasse permanente, a pequena sereia deveria conquistar o amor de seu escolhido; caso contrário, haveria de se transformar em espuma do mar.

Na nova versão, é o homem faz questão de virar sereio, já que os cuidados estéticos não devem ser obrigações só dá mulher. Os dois se casam, mas não conseguem ter filho, já que os rabos de peixe não ajudam. Então eles vão até um pais africano bem pobre e adotam um monte de crianças.

Quer saber? Gostei das sugestões. Até comecei a trabalhar na nova versão de A Roupa Nova do Rei, cuja moral será que o naturismo deve ser uma prática respeitada.